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1. ARTE DE NARRAR GERA HUMANIDADE

 


 

 

 

 

“Conte-me e eu esqueço. Mostre-me e eu apenas me lembro. Envolva-me e eu compreendo.” Confúcio

 

 

                A “história do mundo” sempre mexeu comigo, desde pequeno, gostei de ouvir as histórias bíblicas e as histórias da humanidade. Eu tive a experiência de ir numa biblioteca para ler os grandes assuntos nas enciclopédias, livros pesados e grandes, que muitos jovens atuais não tiveram o prazer de conhecer. Olha que não sou tão velho assim! Pegava os livros antigos e queria saber tudo o que a ciência descobriu e como viviam os povos antigos. Esta experiência mais tarde fez diferença, ao fazer filosofia, não só busquei saber as coisas, como busquei os questionamentos da vida. Isto me motivou a ler e a buscar mais as histórias dos povos.

                No decorrer da vida, fui tocado pela narrativa, pelo contar histórias que ouvi e vivi. Desta forma esta narrativa virou minha profissão, algo que amo fazer. Acredito que pelas histórias conseguimos transmitir os valores, os costumes e os verdadeiros sentidos das coisas. A educação precisa da narrativa, num passado distante as culturas serviram deste recurso como meio de conservar seus costumes e suas crenças. É uma habilidade atual para conservar a tradição familiar e um meio eficaz de educar as novas gerações.

O grande pesquisador da cultura popular brasileira, o Suassuna, nos explica que o cientista procura a verdade, e o artista procura a Beleza, mas ambos partem do mesmo ponto da criação pelo intelecto, com o acréscimo da imaginação e da intuição. Segundo Daniella Carneiro Libânio Rodrigues, na sua tese de mestrado, o escritor afirma que o homem pré-histórico e homem moderno continua tendo os mesmos sofrimentos e as mesmas ignorâncias. Os problemas fundamentais aparecem no mesmo homem, e assim a arte responde com a criação de beleza artísticas a feiuras naturais. A arte re-cria respostas aos enigmas da vida num caminho de integração, transfigurado pela beleza, como justificou Suassuna para sua arte rupestre: “Quanto a mim, o jeito que encontrei de desempenhá-la foi o de inventar histórias para narrá-las ou encená-las. E, ao mesmo tempo, desenhar formas e figuras recriadas a partir da mesma realidade que cercava o Homem pré-histórico – o do Nordeste brasileiro, o do Norte da África, do Sul da França ou da Espanha” (1991).

Sempre busquei o melhor nos meus trabalhos, sempre tive o desejo de fazer o melhor que posso. Como artista encontrei meu caminho de busca do belo, de narrar belas histórias, onde as crianças pudessem conhecer os valores e o sentido das coisas. Numa reflexão direta, a arte move-se ao belo. Ela é um conjunto de técnicas repetitivas, com regras próprias, dizia os gregos e os antigos, e sendo técnica, pode modificar ou transfigurar o natural. A história moderna separou o belo e o mito da arte, dando jus para razão somente técnica e instrumental. Com isso, o narrador precisa superar esta falha e encontrar o verdadeiro sentido do mito, que é a forma de descrição da beleza poética e estética, que leva sim ao entendimento e o verdadeiro conhecimento humano.

Narrar histórias, encenar o belo, é forma de criar respostas para os problemas contemporâneos, é decifrar caminhos para os enigmas das pessoas que enfrentam problemas da vida. O perfeito, o inexplicável, o verdadeiro são referências para uma busca integrativa das relações do homem natural com o mundo existente. Criar o belo artístico é dar um caminho de integração ao ser humano, como diz Kant, a experiência estética ganha sentido de autoconsciência para liberdade.

Uma educação ou cultura sem o mito, sem a arte poética está destinada ao vazio, dizia o pensador Friedrich Nietzsche. O ser humano não é só racional, ele é norteado também pela experiência poética, pelo mito, que ajuda lidar com os aspectos da vida, ele dizia: “Coloque-se agora ao lado desse homem abstrato, guiado sem mitos, a educação abstrata, os costumes abstratos, o direito abstrato, o Estado abstrato; represente-se o vaguear desregrado, não refreado por nenhum mito nativo, da fantasia artística; imagine-se uma cultura que não possua nenhuma sede originária, fixa e sagrada, senão que esteja condenada a esgotar todas as possibilidades e a nutrir-se pobremente de todas as culturas” (1992).

O artista, o narrador, o poeta vê o mundo pelas palavras e ao narrá-las recriam a vida, as cores, os gestos e os movimentos, contudo para mostrar o que é justo, o bom gosto e o perfeito. Deste modo procuro sempre fazer do meu trabalho um caminho de encontro com a beleza da vida, com a beleza das pessoas, com o sentido positivo do encontro das pessoas com a história. Muito me inspira algumas reflexões da vida do escritor Mia Couto. Ele narra histórias do povo de Moçambique e de suas realidades: “No momento em que se conta a história a alguém, não há ali uma escuta mecânica, mas sim qualquer coisa que cria, sobretudo, a construção de uma relação entre pessoas...”.

A história liga a vida das pessoas e traz conhecimentos para a sociedade como um todo. Narrar histórias é uma ação poética e artística.  No mundo moderno as narrativas encontraram o espetáculo, como uma apresentação teatral, seus caminhos se uniram as artes cênicas e com os espetáculos circenses. A contação história tomou as mídias, os cinemas, e um representante desta nova geração é a empresa Disney, que utilizando dos contos populares europeus, ganhou o mundo do cinema, com a história da branca de neve, Pinóquio, etc. Hoje ela cria novas histórias modernas com um público ansioso para ver seus longas metragens. Walter Disney dizia que era apenas um contador de histórias, e sempre buscava a perfeição em seus trabalhos. Hoje todo trabalho da empresa é reconhecido pelo o belo.

A arte pode também ser reconhecida no mundo atual, chamado mundo da tecnologia, na qual reina os processos matemáticos, lógicos e racionais. Um grande expoente desta união de tecnologia e arte foi Steve Jobs. Ele dizia em suas palestras: “O motivo pelo qual a Apple é capaz de criar produtos como o Ipad é porque sempre procuramos estar na interseção da tecnologia e das artes liberais, para sermos capazes de extrair o melhor das duas”.

Isso me inspira a continuar construindo um futuro melhor, consolidar minha profissão de contador de história ao belo, as paixões da vida, como a vocação de inspirar também outras pessoas. A arte poética é um ato político e filosófico, narrar histórias produz conhecimento e gera entendimento para o bem do ser humano e para sua integralização. Como podemos ver a educação atual brasileira abre espaço para o lúdico na escola, a Base Curricular Nacional está dando nortes para as competências e as habilidades na construção de caminhos pela linguagem, tanto oral como escrita, competências importantes para saber interpretar, falar e escrever. Assim as narrativas e as histórias serão um dos caminhos para uma aprendizagem eficaz. Isto é um caminho que pretendo seguir firme, com propósitos de levar as crianças histórias e incentivos para a literatura.

Termino compartilhando minhas experiências com a contação de história para idosos numa casa de repouso e com as pessoas atendidas pelo CAPS(Centro de Atenção Psicossocial) em São José dos Campos. Eles são especiais e tenho aprendido muito com eles a construir caminhos pela arte literária. É um gesto de empatia que leva a uma experiência do belo, dizia Teilhard de Chardin: “O progresso de uma civilização se mede pelo aumento da sensibilidade para o outro”. Eu aprendo com eles e eles aprendem comigo. Suas histórias de vida dão sentido a minha, e vice-versa, esta troca faz com que a resposta aos enigmas do ser humano seja mais leve. Pude constatar que a arte cura as pessoas, as narrativas os recoloca na vida feliz, e ainda desperta novos artistas. A literatura transforma as pessoas, o mito ajuda a viver melhor.

O mito ensina muito sobre nós, e deve ser narrado para todos.  Como dizia Fernando Pessoa: O mito é o nada que é tudo. A arte de narrar é uma habilidade e uma competência que todos podem desenvolver, seja em qualquer tempo e idade, ela tem a capacidade de humanizar o humano.

 

Marcelo Fernandes dos Santos

Escritor, filósofo e contador de história

 

Referências bibliográficas:

 

Alves, Rubens. A escola com que sempre sonhei. Editora Papirus, Campinas, 2001.

Chaui, Marilena. Convite à Filosofia. Ed. Ática, São Paulo, 2000.

Buzzi, Arcângelo R. Introdução ao Pensar. Editora Vozes, Petrópolis,1990.

Pansarelli, Daniel e Piza, Suze. Filosofia e modernidade. Univ Metodista, São Bernardo do Campo, 2008.

Barbosa, Raquel LL. Formação de Educadores. Editora Unesp, São Paulo,2003.

Sung, Jung Mo. Competência e Sensibilidade Solidária. Editora Vozes, Petrópolis, 2003.

Gallo, Carmine. Inovação, a arte de Steve Jobs. Editora Lua de Papel, São Paulo, 2010.

O livro da Filosofia, tradução Douglas Kim, Editora Globo Livros, São Paulo, 2016.

O livro da literatura, org James Canton, Editora Globo Livros, São Paulo, 2016.

NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo: Cia das Letras, 1992, p.135.

Rodrigues, Daniella Carneiro Libânio.  A arte segundo Ariano Suassuna: a intermidialidade e a poética armorial, UFMG, Belo Horizonte, MG, 2015.

Semler, Ricardo. Dimenstein, Gilberto. Costa, Antonio CG. Escola sem sala de Aula. Editora Papirus. Campinas, 2004.

Suassuna, Ariano. Uma teoria da Arte Rupestre. ANAIS do I Simpósio de Pré-História do Nordeste Brasileiro, Recife, CNPq, UFPE,1991, p. 128)

Curso extensão, FGV gratuito de filosofia, máteria estética. Cf. www.fgv.com.br

 

2. CRIANÇA E NATUREZA

Você lembra quando foi à última vez que você brincou com seu filho e sua filha na natureza?

 


O mundo evolui tecnologicamente muito rápido, e nossa sociedade absorve esta evolução. Quem nunca viu uma criança de três anos com um tablet ou um celular na mão? Parece acessível e interessante deixar seu filho, curtindo em silêncio aquela interatividade repetitiva. Mas, que tal fazer algo diferente, e levar seu filho numa praça ou em algum parque da sua cidade?

É pauta hoje de pediatras, escolas e mídias educativas mostrarem os benefícios de uma criança que brinca na natureza. Há programas e ações que levam a criança a sério para ter um contato com a natureza. Agora você pai e mãe, educador e educadora que observa tudo isso, e continua segurando os pequenos numa redoma urbana? É importante repensar e começar a lembrar sua infância, para trazer elementos importantes para as crianças, e observar que no passado não muito distante tudo era diferente.

Se voltarmos 30 anos atrás, vai lembrar que as cidades tinham mais natureza, e que muitos de nossos pais moram ainda em sítios e roças. Com a evolução da cidade, o cimento tomou conta, a violência bloqueou a saída nas ruas, e a poluição tirou o brilho de ficar nas praças. Diante deste quadro, é preciso resgatar a infância positiva que se vivia no passado, com brincadeiras na rua, jogos de taco, pega-pega, esconde-esconde, as brincadeiras de bolinhas de gude na terra. Hoje colhemos benefícios deste tempo, e porque não levar os filhos na natureza?

Temos muitos parques com segurança, lugares que ainda nos resta um pouco de natureza tão preciosa. Temos que frear um pouco nossa vida urbana e conectar-se numa proposta de resgatar este tempo precioso em meio aos elementos da natureza: terra, ar, fogo e água. Gastón Bachelard, um filósofo alemão, diz que se temos contatos com esses elementos, nasce no ser humano, e principalmente na criança, uma imaginação criadora, como um pintor que cria uma verdadeira obra de arte. A criança passa ser mais criativa, porque em meio à natureza, ela cria seus brinquedos, ela cria sua história, e assim ela brinca inovando e inova brincando.

Nas fases iniciais da criança, ela está com os sentidos aguçados e em desenvolvimento, sua sensibilidade está em torno de 100 %, e se você quer uma criança respeitosa, que cuide de suas coisas, que desenvolva bons modos, a brincadeira na praça e nos parques é uma das soluções educativas. Leve seu filho para olhar as flores, as plantas e as árvores. Ensina ela contemplar os pássaros, crie à hora do conto em baixos de árvores. Se a natureza passa pelo inverso, mostre porque as folhas caem no chão; se está primavera, mostre as flores brotando. Por fim, deixe sua imaginação prevalecer e criar seus próprios brinquedos de forma natural.

O instituto Alana tem um programa que se chama criança e natureza, onde mostra os benefícios da criança em meio à natureza: o aprendizado mais ativo e explorador, o favorecimento dos vínculos sociais, a melhoria da nutrição, a redução da violência e outras séries de benefícios. Este programa tem uma página que se chama GPS da Natureza, que você pode cadastrar sua brincadeira e suas ações na natureza. Uma boa dica para você começar a introduzir seus filhos na proposta.

Como disse no começo, você lembra quando foi à última vez que levou seu filho e sua filha na natureza? Não importa mais quando foi, mas que agora você se organize e desfrute desta ação de aproximação e de conectividade com o meio ambiente, pois isso só trará a você benefícios, e muita criatividade para educar as crianças num mundo com mais qualidade de vida e sustentabilidade.

Marcelo Fernandes, filósofo e escritor.

 

Bibliografia

BACHELARD, G. A poética do espaço. In: Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1978.

BARROS, M. de. O fazedor de amanhecer. Rio de Janeiro: Salamandra, 2001

www.educandotudomuda.com.br

http://acasaredonda.com.br/pagina/19

https://criancaenatureza.org.br/

 

 

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