segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Conto - Surto da Razão



Surto da Razão

- Sala gélida!
Era meia noite, quando os ventos intensificaram suas forças. Escutava as portas baterem com raiva. Parecia violência de pessoas malvadas. Não dava para nem mesmo perceber um simples pensamento. Era uma orquestra desafinada e desorganizada. Som e ruídos trêmulos. De repente, a luz apagou sua principal atividade. Não deu para ver mais nada a não ser uma escuridão de morte, sem fim, que gera na alma uma imensa angústia que tinha presente alguém na sala. Não dava para perceber se tinha ruídos de passos, nem firmes e nem suaves. O vento aumentou sua voz. A temperatura externa parecia cair como num abismo sem fim. A pele se torna cada vez mais lutadora e guerreira para aquecer o corpo. Dentro de si, o calor do medo, dos sentimentos liberados pelo córtex, forma intensos movimentos incontroláveis. A consciência não apita mais neste momento. O instinto humano, como um sinaleiro de perigo, avisa que uma ação deve ser produzida. Bater ou correr? Enfim, uma atitude. Sentida a cegueira, o corpo foi descobrindo o ambiente, o tato começou aguçar suas formas. A direção era difícil de descrever, mas a aproximação de algo veio acontecer. A primeira descoberta. Por incrível que pareça, os dedos trêmulos tocaram a superfície fixa, inata, e em tom de segurança, forçou-se uma atitude de rastrear os lados. Assim com um tocar os dedos passo a passo, foi-se descobrindo cada pedaço daquela textura agora estranha aos olhos de quem todos os dias atravessavam aquela sala, ora para o trabalho, ora para o estudo, ora para dizer algo, ora para simplesmente descansar. Tudo parecia novo. Nem parece que viveu tanto tempo ali, naquele simples local. Já não se ouvia mais os ventos, tudo estava calmo. Isto gerou um pequeno sinal da consciência, agora os sentidos pareciam estar atentos às descobertas. Era possível fazer o primeiro julgamento. Não existe nada! Sua postura gera segurança que tudo estava sobe controle. Qual o homem que não tem o controle da situação? Mas um som alarmante ressoou sobre aquele momento, que novamente veio o cala frio. Um vulto do estômago cresceu em direção a cabeça, que parecia estar descendo uma montanha russa em alta velocidade. Era novamente a velha porta precisando de óleo. Nestas horas os exercícios do dia a dia aparecem como que culpando sua consciência de trazer aquele momento a dor e a angústia. E o segundo julgamento aparece, deveria ter feito isto. O sentimento de culta surge, e o verbo dito no passado culpa o presente e manda no futuro seu parecer! Coisas que só a memória esquece. Diante daquela indecisão, os movimentos corporais estão parados, estáticos. É preciso retomar o objetivo maior, sair daquela situação o mais rápido possível, eis a pequena decisão. O terceiro julgamento, a resolução. Seguindo o fluxo do corpo, os movimentos vão à direção de um horizonte próximo. Os sentidos agora aguçados com o ambiente descobrem mais uma coisa, a janela. Que descoberta! Agora é possível descrever todo ambiente da sala. A lembrança dos momentos felícitos vem à tona.  Também aparecem as dores e as falas que feriram o coração. Tudo agora está descoberto. O terceiro julgamento é explícito, o rumo será o interruptor. Neste instante é possível planejar, fazer cálculos, descrever atitudes e rumos a serem seguidos, metas alcançáveis e objetivos a serem cumpridos. Em uma atitude de rapidez tudo se tornou claro, decisivo, o tempo agora é o relógio para sair daquela situação. Com velocidade, maior que as portas velhas batendo, maior do que o vento vindo da janela, o ser mais racional que existe movimenta como numa dança rústica e rápida, abrindo o espaço escuro, cruzando o mundo com domínio do ar, e por um segundo descreve seu nome na situação. Ao mesmo tempo em que o domínio aconteceu algo novo tomou o ambiente. De repente aquela mesma luz ativou sua luminosidade. Átomos tocaram a pupila, as cores são transmitidas de novo, trazendo a segura visão que nada mudou. Tudo continua o mesmo, as vidas, as coisas, não mudaram nada sua rotina. Neste exato momento, o ultimo julgamento, este agora é decisivo para toda aquela experiência quase inexplicável. Foi um Black Out. Como um ser tão racional, que historicamente evoluiu não soube ao mesmo descrever esta simples ação rotineira dos inícios das tempestades urbanas. Tudo mostra que cada experiência é única, e particular. Só o momento presente, com o emocional equilibrado pode dar a consciência sua verdadeira memória. Deste modo, a razão só se encontra com a emoção, quando a situação ultrapassa a criação!

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